quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

ÒRÌSÀ

A Religião dos Orixás esta ligada a família. A família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O Orixás seria, em princípio, um ancestral divinizado, que em sua vida, estabeleceu vínculos que lhe garantiram um controle sobre certas forças da natureza.

O poder, ÀSE, do ancestral- Orixá teria, após sua morte, a faculdade de encarnar-se, momentaneamente, em um de seus descendentes durante um fenômeno de possessão por ele provocado.

A passagem da vida terrestre à condição de Orixá desses seres excepcionais, possuidores de um ÀSE poderoso, produz-se em geral, em um momento de paixão / ira.

Esses antepassados divinizados não morriam de morte natural. Possuidores de um ÀSE muito forte e poderes excepcionais sofriam uma metamorfose nesses momentos de crise emocional, provocado pela cólera e outros sentimentos violentos. O que neles era material desaparecia, queimado por essa paixão, e deles restava somente o ÀSE, poder em estado de energia pura.

Para que o culto pudesse ser criado, era precisa que um ou vários membros da família tenha sido capaz de estabelecer ODU ÒRÌSÁ, "um vaso enterrado no chão, até mais ou menos três quartos de sua altura, pelos seus adeptos”. Ele serve de recipiente ao objeto suporte da força, "o ÀSE do Orixá ". Este objeto suporte é a “base material palpável, estabelecida pelo Orixá, que receberá a oferenda e será impregnada pelo sangue do animal sacrificado; devidamente sacrificado, será o traço de união entre os homens e a divindade ". A natureza desses objetos está ligada ao caráter do deus, quer por ele ser uma emanação como a pedra, EDUN ARA, de SÀNGÓ, ou um seixo do fundo do riacho, OTA, de ÒSUN ou YEMONJA, quer seja um símbolo, como as ferramentas de ÒGÚN ou o arco e flecha de ÒSÓÒSÌ.

O Orixá é uma força pura, ÀSE imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos, incorporando-se em um deles, possibilitando ao Orixá voltar à terra para saudar e receber provas de respeito dos que o evocam.

Nas cerimônias de adoração ao ancestral divinizado, que ao incorporar-se ao ÌYÀWÓ, reencontra, por alguns instantes, sua antiga personalidade espiritual de outrora com suas qualidades e seus defeitos, seus gostos, suas tendências, seu caráter agradáveis ou agressivos, voltando assim, momentâneamente, a terra, entre seus descendentes; durante as cerimônias de evocação, os Orixás dançam diante deles e com eles, recebendo seus cumprimentos, "ouvem as suas queixas, concedem graças, resolvem as suas desavenças e consola seus infortúnios. O mundo celeste não está distante, nem superior, e o crente pode conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua benevolência ".

Na África, cada Orixá estava ligado, originalmente, a uma cidade ou a um país inteiro. Tratava-se de uma série de cultos regionais ou nacionais, SÀNGÓ em OYO, YEMONJA em EGBÓ, YEWÀ em EGBADO, ÒGÚN em EKITI e sendo, ÒSUN em IJEXÁ e IJEBU, ERINLÉ em OLOBU, LOGUNEDE em ILEXA, OTIN em INIXÁ,ÒÒSÀÀLÀ-OBATALA em IFÉ, subdividido em OSÀLÚFÓN em IFAN e OSOGUIAN em IJIGBÓ.

Os Orixás viajaram, em seguida, para outras regiões africana, levadas pelos povos no curso de suas migrações. Se as pessoas formavam um grupo numeroso, o Orixá tomava tal amplitude que englobava o conjunto da família, e alguns OLORISÁS, sacerdotes dos Orixás, asseguravam o culto para todo o grupo. Se alguém se fixava com sua família restrita a sua mulher e seus filhos, o Orixá assumia uma feição pessoal. Quando os africanos eram transportados para o Brasil, o Orixá tomava um caráter individual, ligado à sorte do escravo, agora separado do seu grupo familiar de origem.

A qualidade das relações entre um indivíduo e o seu Orixá é, pois diferente, caso ele se encontre na África ou no Brasil. Na África, a realização das cerimônias de adoração ao Orixá é assegurada pelos sacerdotes designados para tal. Os outros membros da família ou grupo não têm outros deveres senão o de contribuir materialmente para os custos do culto, podendo, entretanto, se assim o desejar, participar nos cantos, danças e festas animadas que acompanham essas celebrações. Devem, além disso, respeitar as proibições alimentares e outras ligadas ao culto do seu Orixá, e assim agindo, estão perfeitamente em regra com as suas obrigações.

No Brasil, ao contrário, cada um tem que assegurar pessoalmente as minuciosas exigências do Orixá, tendo, porém, a possibilidade de encontrar num terreiro de Candomblé um meio onde se inserir e um pai ou mãe-de-santo, capaz de guiá-lo e ajudá-lo a cumprir corretamente suas obrigações em relação ao seu Orixá. Se a pessoa for chamada a tornar-se filho-de-santo, caberá igualmente ao pai ou mãe-de-santo a tarefa de levar a bom termo a sua iniciação e preparar o "assento "de seu Orixá individual, "o vaso que contém os seus OTA, as pedras sagradas, receptáculos da força do deus ". Existem, assim, em cada terreiro de Candomblés, múltiplos Orixás pessoais, reunidos em torno do Orixá do terreiro, símbolo do reagrupamento, do que foi disperso pelo tráfico de escravos.

A autoridade do pai ou mãe-de-santo afirma-se no momento da raspagem da cabeça do noviço, no primeiro dia da iniciação. Esse ato significa a tomada de possessão simbólica do noviço, a imposição de uma paternidade, o domínio sobre a pessoa. Essa noção de tomada de posse é aceita a tal ponto que, no momento da morte do pai ou mãe-de-santo, todos os seus filhos espirituais devem realizar uma cerimônia destinada a "tirar a mão " do morto, para evitar de ser arrastado até o além pelo ÒKÚ(defunto).

Completado sete anos de iniciação, os ÌYÀWÓ tornam-se EEBONMI, irmão mais velho, e tem o direito a ter seu próprio terreiro com a benção e a autorização de seu pai ou mãe-de-santo.

Com o passar do tempo, a definição e a concepção do que é o Orixá no Brasil tendem a evoluir. Em se tratando de africanos escravizados, ou seus descendentes aqui nascidos, sejam eles de sangue africano ou mulatos, tão claros de pele quanto possível, não havia e não há problemas, pois o sangue africano que corre em suas veias, não importando a proporção, justifica a dependência ao Orixá - ancestral.

Embora os crentes não africanos não possam reivindicar os laços de sangue com os seus Orixás, pode haver, no entanto, entre eles, certas afinidades de temperamento. Africanos e não africanos têm em comum, tendências inatas e um comportamento geral correspondente àquele de um Orixá, como a virilidade devastadora de SÀNGÓ, a feminilidade elegante e coquete de ÒSUN, a sensualidade desenfreada de OYA, a calma benevolente de NÀNÁ, a virilidade e a independência de ÒÒSÀÀLÀ , o masoquismo e o desejo de expiação de OMOLU, etc. Podemos chamar essas tendências de arquétipos da personalidade porque, não há nenhuma dúvida, certas tendências inatas não podem desenvolver-se livremente dentro de cada um, no decorrer de sua existência, se elas entrarem em conflito com as regras de conduta admitidas nos meios em que vivem. A educação recebida e as experiências vividas, muitas vezes alienantes, são as fontes seguras de sentimentos de frustração e de complexos, e seus conseqüentes bloqueios e dificuldades.

Se uma pessoa, vítima de problemas não solucionados, é "escolhida” como filho ou filha-de-santo pelo Orixá, cujo arquétipo correspondente a essas tendências escondidas, isso será para ela a experiência mais aliviadora e reconfortante pela qual possa passar. No momento do transe, ela comporta-se, inconscientemente, como o Orixá, seu arquétipo, e é exatamente a isso que aspiram as suas tendências secretas e reprimidas.

Os arquétipos de personalidade das pessoas não são tão rígidos e uniformes, pois existem nuances provenientes da diversidade de "qualidade” atribuídas a cada Orixá. ÒSUN, por exemplo, pode ser guerreira, coquete ou maternal, dependendo do nome que leva. Eles são segundo os casos, jovens ou velhos, amáveis ou ranzinzas, pacíficos ou guerreiros, benevolentes ou não.

No Brasil, além do mais, cada indivíduo possui dois Orixás. Um deles é mais aparente, aquele que pode provocar crises de possessão, o outro é mais discreto e é "assentado ", fixado, acalmado. Apesar disso, ele influencia também o comportamento das pessoas. O caráter particular e diferenciado de cada indivíduo resulta da combinação e do equilíbrio que se estabelecem entre esses elementos da personalidade.

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